Queremos refletir, neste breve artigo, sobre o valor do jejum para a espiritualidade cristã e
para o aprofundamento da intimidade com o Senhor. Nossa reflexão será orientada por 8 questões
fundamentais. Não queremos esgotar o assunto, pois a riqueza do tema é muito grande.
Apresentamos apenas algumas linhas de orientação para que cada qual possa aprofundar o estudo
desse magnífico meio de crescimento espiritual.
6.1. O QUE A IGREJA FALA SOBRE O JEJUM?
A Igreja reconhece o valor e o significado profundo do jejum para a espiritualidade cristã. O
quinto mandamento da Igreja nos orienta a “Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa
Mãe Igreja” (Catecismo, 2043).
Entre os chamados Padres da Igreja, os primeiros teólogos das origens cristãs, Santo
Agostinho reconhece o valor espiritual e moral do jejum: “a abstinência purifica a alma, eleva a
mente, subordina a carne ao espírito, cria um coração humilde e contrito, espalha as nuvens da
concupiscência, extingue o fogo da luxúria e acende a verdadeira luz da castidade” (Sermão sobre a
oração e o jejum).
Em nosso tempo, a Igreja ainda recomenda a prática do jejum. O jejum é citado no
Catecismo da Igreja Católica em 9 parágrafos específicos. Os parágrafos são: 575, 1387, 1430,
1434, 1438, 1755, 1969, 2043 e 2742. Síntese desse ensinamento é a mensagem de que os gestos
exteriores (saco e cinzas, jejuns e mortificações) não devem ser vazios, mas devem ser
acompanhados da conversão do coração ou da penitência interior: é por essa razão que o jejum é
associado ao Sacramento da Reconciliação.
Além do jejum, a oração e a esmola aparecem como as principais formas de expressão da
penitência interior. Assim, o jejum, a oração e a esmola representam a conversão em relação a si
mesmo, a Deus e aos outros (Catecismo, 1434). Como afirmou o Papa Bento XVI, na homilia da
celebração da Quarta-Feira de Cinzas, deste ano, “em relação harmoniosa com a oração, também o
jejum e a esmola podem ser considerados lugares de aprendizagem e prática da esperança cristã”.
O Concílio Vaticano II assim nos ensina: “A penitência do tempo quaresmal não deve ser
somente interna e individual, mas também externa e social. Fomente-se a prática penitencial de
acordo com as possibilidades de nosso tempo, dos diversos países e da condição dos fiéis (...).
Tenha-se como sagrado o jejum pascal que há de celebrar-se em todos os lugares na Sexta-feira da
Paixão e Morte do Senhor e ainda estender-se segundo as circunstancias, ao Sábado Santo, para que
deste modo cheguemos à alegria do Domingo da Ressurreição com ânimo elevado e grande
entusiasmo” (Sacrosanctum Concilium, n. 110).
Para o Papa Bento XVI, “jejuar significa aceitar um aspecto essencial da vida cristã. É
necessário redescobrir também o aspecto corporal da fé, a abstinência do alimento é um desses
aspectos” (Joseph Ratzinger, no livro A Fé em crise?).
6.2. SEGUNDO A BÍBLIA O QUE DEUS NOS FALA SOBRE O JEJUM?
O Antigo Testamento é rico em passagens que revelam a prática do jejum associada à vida
espiritual. Eis apenas alguns exemplos: Lv 16,29; Nm 29,7; 1Rs 21,9; Esd 8,21; Tb 12,8; Jl 1,14,
2Sm 12,16. No livro do Gênesis pode-se encontrar uma primeira referência ao jejum, ainda que
indireta, na ordem de Deus: “Podes comer do fruto de todas as árvores, do jardim, mas não comas
do fruto da árvore da ciência do bem do mal, porque no dia em que dele comeres, morrerás
indubitavelmente” (Gn 2, 16-17).
Na cultura judaica, o jejum era cumprido rigorosamente, o que é atestado pelos constantes
desencontros de Jesus com os fariseus a respeito do tema (Mc 2,18; Lc 5,33).
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Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, depois do seu batismo (Mt 4,2). O
jejum de Jesus precede o início da pregação de Jesus (Mt 4,17), a escolha dos primeiros discípulos
(Mt 4, 18-22), as primeiras curas (Mt 4,23-25) e o sermão sobre as bem-aventuranças (Mt 5,1-12).
O jejum é necessário para o apostolado. Aumenta nossa intimidade com Deus Pai e
potencializa nossa oração (Mt 17,14-20; Mc 9,29). Com efeito, Jesus declarou certa ocasião:
”quanto a esta espécie de demônio, só se pode expulsar à força de oração e de jejum”.
O Livro de Atos registra os crentes jejuando antes de tomarem importantes decisões (Atos
13:4; 14:23).
São Paulo dá um sentido mais amplo ao jejum, inserindo-o nas práticas que nos ajudam a
viver segundo o Espírito e não apenas segundo a carne: “Portanto irmãos, não somos devedores da
carne, para que vivamos segundo a carne. De fato, se viverdes segundo a carne, haveis de morrer;
mas, se pelo Espírito mortificardes as obras da carne, vivereis, pois todos os que são conduzidos
pelo Espírito de Deus são filhos de Deus (Rm 8, 13-14).
6.3. COMO PREPARAR-SE PARA PRATICAR O JEJUM?
O jejum é um sinal externo da conversão do coração. Portanto, sua preparação exige um
profundo exame de consciência e uma atitude de contrição, de arrependimento de nossas fraquezas
e um propósito firme de mudança de vida.
Pela boca do profeta Isaías, o Senhor revela o sentido da conversão que deve acompanhar o
jejum: “Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? - diz o Senhor Deus: É romper as cadeias injustas,
desatar as cordas do jugo, mandar embora livres os oprimidos, e quebrar toda espécie de jugo” (Is
58, 6).
6.4. COMO PRATICAR O JEJUM?
O jejum deve estar associado a uma visão positiva da vida espiritual, o que impede que seja
compreendido como uma pena ou sacrifício ruim. Deve, portanto, expressar a alegria, a fé e a
esperança. É Jesus mesmo quem nos ensina a esse respeito: “Quando jejuardes, não tomeis um ar
triste como os hipócritas, que mostram um semblante abatido para manifestar aos homens que
jejuam. (...) Quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava teu rosto Assim não parecerá aos homens
que jejuas, mas somente a teu Pai, que vê no segredo” (Mt 6,16-18).
6.5. QUAIS OS BENEFÍCIOS E EFEITOS DO JEJUM?
Os benefícios do jejum vão além da vida espiritual. Eles cobrem muitos aspectos da vida
humana. Além do domínio dos vícios, o jejum enobrece a mente, auxilia alcançar as virtudes da
sabedoria, da prudência e temperança, promove o bem-estar, recupera as perdas espirituais e nos
prepara para a batalha do dia-a-dia da fé; por isto é eficaz em quatro áreas fundamentais.
a) Alimentar e física:
• Disciplina a forma desordenada e irregular de comer e o mau hábito de beliscar entre as
refeições, fumar, tomar café, chás, doces lanches e refrigerantes, a todo instante;
• Elimina o reprovável desperdício e ensina a conhecer o valor nutritivo dos alimentos
vegetais e animais e a importância dos produtos naturais, orgânicos;
• Torna o corpo mais saudável através do bom funcionamento do sistema digestivo e
possibilita aumento a expectativa de vida.
b) Mental e psicológica:
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• Mantém a mente descansada, mais aberta e sensível às coisas espirituais, atividades e à
criatividade intelectual em diversas áreas;
• Aumenta a estabilidade mental e psicológica através do domínio das emoções, torna o corpo
leve, ativo e incansável (a história demonstra que os filósofos pagãos, na Grécia antiga, para
um melhor desempenho intelectual, jejuavam espontaneamente antes de entrarem em
debates públicos).
c) Moral e religiosa:
• Supera as dependências e apegos às coisas materiais supérfluas e amplia a consciência do
ser;
• Fortalece a vontade, renova a força moral e consolida os verdadeiros valores e a fé;
• Estimula a partilha com generosidade e abre o nosso coração à caridade, oferecendo aos
necessitados, os que sofrem, aquilo que vem a sobrar em nossas despensas: “Boa coisa é a
oração acompanhada de jejum, e a esmola é preferível aos tesouros de ouro escondidos” (Tb
12,8)
• Traz o domínio sobre a presunção, a indolência espiritual e moral e intensifica a genuína
piedade.
d) Vida de fé:
• Prepara para uma intensa participação nos mistérios da Fé, nos Sacramentos, em particular
da Penitência ou Confissão e da Eucaristia.
E produz:
• Maior qualidade de vida interior, vida na graça e união íntima, real, natural, pessoal e
constante com Deus;
• Docilidade e abertura às inspirações do Espírito Santo;
• Maior silêncio, busca da meditação, confiança e disposição para a adoração;
• Maior disponibilidade para servir, para a missão e para o próximo;
• Libertação a partir da renúncia à gula, luxúria, preguiça e demais pecados capitais;
• É uma poderosa arma contra as tentações do Inimigo;
• Portanto não deve ser visto como um dever, mas um direito que nos abre à Graça.
6.6. QUAIS OS PREJUÍZOS QUANDO NÃO PRATICAMOS O JEJUM?
O maior prejuízo, sem dúvida, é deixar-se levar pelas tendências humanas da “vida segundo
a carne”, como nos ensina São Paulo (Rm 8). Não se trata de viver o dualismo corpo e espírito,
muito enfatizado na Idade Média, que via como mal e pecaminoso tudo o que se relacionava ao
corpo. Isso, de fato, é um exagero e não corresponde à doutrina cristã: Deus, que criou-nos também
o corpo, “viu que tudo era bom” (Gn 1,31).
6.7. QUAL A REGULARIDADE PARA PRATICAR O JEJUM?
O jejum não deve ser praticado em demasia e exagero, pois isso causa prejuízo ao corpo,
constituindo-se nesse caso um mal e não um bem. É preciso bom senso e equilíbrio. No Código de
Direito Canônico, a Igreja nos ensina que “os dias e tempos penitenciais, em toda a Igreja, são todas
as sextas-feiras do ano e o tempo da quaresma” (Cân. 1250). E ainda: “Observe-se a abstinência de
carne ou de outro alimento, segundo as prescrições da conferência dos Bispos, em todas as sextasfeiras
do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; observem-se
a abstinência e o jejum na quarta-feira de Cinzas e na sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso
Senhor Jesus Cristo” (Can. 1251).
Há também a orientação da Igreja para o jejum que prepara a participação na Eucaristia:
“Quem vai receber a Santíssima Eucaristia abstenha-se de qualquer comida ou bebida, excetuandose
somente água e remédio no espaço de ao menos uma hora antes da sagrada comunhão” (Can.
919).
6.8. QUEM PODE E QUEM DEVE PRATICAR O JEJUM?
Conforme o ensinamento da Igreja, no Código de Direito Canônico, “todos os fiéis, cada
qual a seu modo, estão obrigados por lei divina a fazer penitência; mas, para que todos estejam
unidos mediante certa observância comum da penitência, são prescritos dias penitenciais, em que os
fiéis se dediquem de modo especial à oração, façam obras de piedade e caridade, renunciem a si
mesmos, cumprindo ainda mais fielmente as próprias obrigações e observando principalmente o
jejum e a abstinência, de acordo com os cânones seguintes” (Can. 1249).
A Igreja também ensina que “estão obrigados à lei da abstinência aqueles que tiverem
completado catorze anos de idade; estão obrigados à lei do jejum todos os maiores de idade até os
sessenta anos começados. Todavia, os pastores de almas e os pais cuidem que sejam formados para o genuíno sentido da penitência também os que não estão obrigados à lei do jejum e da abstinência em razão da pouca idade” (Can. 1252).
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