Comentario do Evangelho de São João: 14:23-29
Jesus, que acaba de fundar a sua comunidade, dando-lhe por
estatuto o mandamento do amor (cf. Jo 13,1-17;13,33-35), vai agora explicar
como é que essa comunidade manterá, após a sua partida, a relação com Ele e com
o Pai. Nos versículos anteriores ao texto que nos é proposto, Jesus
apresentou-Se como “o caminho” (cf. Jo 14,6) e convidou os discípulos a percorrer
esse mesmo “caminho” (cf. Jo 14,4-5). O que é que isso significa? Jesus,
enquanto esteve no mundo, percorreu um “caminho” – o da entrega ao homem, o do
serviço, o do amor total; é nesse “caminho que o homem” – o Homem Novo que
Jesus veio criar – se realiza. A comunidade de Jesus tem, portanto, que
percorrer esse “caminho”. A metáfora do “caminho” expressa o dinamismo da vida
que é progressão; percorrê-lo, é alcançar a plena maturidade do Homem Novo, do
homem que desenvolveu todas as suas potencialidades, do homem recriado para a
vida definitiva. O final desse “caminho” é o amor radical, a solidariedade
total com o homem. Nesse “caminho”, encontra-se o Pai. Os discípulos, no
entanto, estão inquietos e desconcertados. Será possível percorrer esse “caminho”
se Jesus não caminhar ao lado deles? Como é que eles manterão a comunhão com
Jesus e como receberão dele a força para doar, dia a dia, a própria vida?
Para seguir esse “caminho” é preciso amar Jesus e guardar a
sua Palavra (cf. Jo 14,23). Quem ama Jesus e O escuta, identifica-se com Ele,
isto é, vive como Ele, na entrega da própria vida em favor do homem… Ora, viver
nesta dinâmica é estar continuamente em comunhão com Jesus e com o Pai. O Pai e
Jesus, que são um, estabelecerão a sua morada no discípulo; viverão juntos, na
intimidade de uma nova família. Para que os discípulos possam continuar a
percorrer esse “caminho” no tempo da Igreja, o Pai enviará o “paráclito”, isto
é, o Espírito Santo. A palavra “paráclito” pode traduzir-se como “advogado”,
“auxiliador”, “consolador”, “intercessor”. A função do “paráclito” é “ensinar”
e “recordar” tudo o que Jesus propôs. Trata-se, portanto, de uma presença
dinâmica, que auxiliará os discípulos trazendo-lhes continuamente à memória os
ensinamentos de Jesus e ajudando-os a ler as propostas de Jesus à luz dos novos
desafios que o mundo lhes colocar. Assim, os crentes poderão continuar a
percorrer, na história, o “caminho” de Jesus, numa fidelidade dinâmica às suas
propostas. O Espírito garante, dessa forma, que o crente possa continuar a
percorrer esse “caminho” de amor e de entrega, unido a Jesus e ao Pai. A
comunidade cristã e cada homem tornam-se a morada de Deus: na ação dos crentes
revela-se o Deus libertador, que reside na comunidade e no coração de cada
crente e que tem um projeto de salvação para o homem.
A última parte do texto que nos é proposto contém a promessa
da “paz”. Desejar a “paz” era a saudação habitual à chegada e à partida. No
entanto, neste contexto, a saudação não é uma despedida trivial (“não vo-la dou
como a dá o mundo”), pois Jesus não vai estar ausente. O que Jesus pretende é
inculcar nos discípulos apreensivos a serenidade e evitar-lhes o temor. São
palavras destinadas a tranqüilizar os discípulos e a assegurar-lhes que os
acontecimentos que se aproximam não porão fim à relação entre Jesus e a sua
comunidade. As últimas palavras referidas por este texto sublinham que a
ausência de Jesus não é definitiva, nem sequer prolongada. De resto, os
discípulos devem alegrar-se, pois a morte não é uma tragédia sem sentido, mas a
manifestação suprema do amor de Jesus pelo Pai e pelos homens.
Falar do “caminho” de Jesus é falar de uma vida gasta em
favor dos irmãos, numa doação total e radical, até à morte. Os discípulos são
convidados a percorrer, com Jesus, esse mesmo “caminho”. Paradoxalmente, dessa
entrega (dessa morte para si mesmo) nasce o Homem Novo, o homem na plenitude
das suas possibilidades, o homem que desenvolveu até ao extremo todas as suas
potencialidades. É esse “caminho” que eu tenho vindo a percorrer? A minha vida
tem sido doação, entrega, dom, amor até ao extremo? Tenho procurado despir-me
do egoísmo e do orgulho que impedem o Homem Novo de aparecer?
A comunhão do crente com o Pai e com Jesus não resulta de
momentos mágicos nos quais, através da recitação de certas fórmulas, a vida de
Deus bombardeia e inunda incondicionalmente o crente; mas a intimidade e a
comunhão com Jesus e com o Pai estabelece-se percorrendo o caminho do amor e da
entrega, numa doação total aos irmãos. Quem quiser encontrar-se com Jesus e com
o Pai, tem de sair do egoísmo e aprender a fazer da sua vida um dom aos homens.
É impressionante essa pedagogia de um Deus – o nosso Deus –
que nos deixa ser os construtores da nossa própria história, mas não nos
abandona. De forma discreta, respeitando a nossa liberdade, Ele encontrou
formas de continuar conosco, de nos animar, de nos ajudar a responder aos
desafios, de nos recordar que só nos realizaremos plenamente na fidelidade ao
“caminho” de Jesus.
O cristão tem de estar, no entanto, atento à voz do
Espírito, sensível aos apelos do Espírito; tem de procurar detectar os novos
caminhos que o Espírito propõe; tem de estar na disposição de se deixar
questionar e de refazer a sua vida, sempre que o Espírito lhe dá a entender que
ela está a afastar-se do “caminho” de Jesus. Estamos sempre atentos aos sinais
do Espírito e disponíveis para enfrentar os seus desafios?
O Espírito Santo ensinar-nos-á, far-nos-á compreender,
diz-nos Jesus. Basta estarmos abertos à sua ação! Por isso peçamos: Espírito de
iluminação, ensina-me e recorda-me todos os ensinamentos do Mestre Jesus, para
que eu possa vivê-los com mais fidelidade.
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